"Deixarei de escrever apenas quando deixar de me encantar"
As palavras dela, ditas tantos anos antes, assombravam-no agora.
Nunca deixara de a ler. Á distância, desvendou-lhe as metáforas, conhecendo a realidade por trás das hipérboles.
E durante anos, independentemente do momento que atravessasse, ela escreveu, e havia sempre encanto, mesmo quando escrevia sobre dor e sofrimento, sobre angústia e mágoa, sobre lágrimas e tristeza, como se cada um desses sentimentos fosse uma descoberta, como se o simples facto de os poder sentir fosse uma magia qualquer que ela ansiasse por dominar.
E de repente tudo mudou. Começou a escrever cada vez mais raramente, cada vez com menos paixão, cada vez num tom mais indiferente, como se escrever fosse uma obrigação e já não gostasse de o fazer, como se sentir fosse um tormento e quisesse simplesmente desistir.
As palavras dela vieram-lhe á memória e soube que era o fim, que algo ou alguém a desencantara e que ela nunca mais escreveria.
E quase a viu, sentada na esplanada, com o café ao lado, a terminar o texto, pousar a caneta, fechar o bloco e desistir, por fim, vencida.