Eu sei como te sentes. Conheço-te os tiques e as manias de trás para a frente, sei-te os truques de cor.
Sei que te conténs, nas palavras que gostarias de dizer, mas guardas para ti, sempre com medo que a tua opinião não importe, como se ninguém quisesse ouvir o que tens para dizer.
Refugias-te na ironia, porque te permite dizer, quase a brincar, aquilo que te vai na alma, sem que ninguém te leve demasiado a sério.
Sei que te refreias nos afectos, não os demonstrando, com receio da rejeição, convicta de que ninguem poderia ter por ti o mesmo carinho, como se fosses indigna de amor.
Escudas-te na distância, porque se não te aproximares demasiado, não poderás
sentir apego e a rejeição não dói tanto.
Sei que quando falhas, ficas triste, e te perguntas vezes sem conta porque é que não fazes nada certo, com aquele sentimento horrível de falhanço a imiscuir-se em todo o teu ser, a fazer-te acreditar que faças o que fizeres, nunca será o suficiente.
E por isso, preferes resolver os teus problemas sozinha, mesmo que precises desesperadamente de ajuda, apenas e só para não teres de admitir a ninguém que falhaste e que és inútil.
Sei que escondes as mãos dentro das mangas do casaco, numa tentativa inconsciente de te esconderes, de passares despercebida. Porque se ninguém te vir, ninguém poderá fazer-te sentir indesejada.
Sei que, quando não te podes esconder, e te sentes exposta e desconfortável, enrolas a mesma madeixa de cabelo, vezes sem conta nos dedos, ou entrelaças as mãos, apenas para teres algo que te distraia e um pretexto para pareceres ausente.
Sei que não olhas as pessoas nos olhos, temente de que lhes possas ver nas expressões o repúdio por ti, e por isso, preferes olhar um ponto acima das suas cabeças e imaginar que sorriem.
Sei que caminhas quase sempre de olhos no chão porque isso te dá uma boa desculpa para, caso te cruzes com alguém conhecido, não teres de dizer um olá desajeitado.
Sei que fazes um sorriso incerto quando te dizem algo simpático, como se não acreditasse na possibilidade de alguém ter algo simpático para te dizer, habituada que estás a esperar o pior das pessoas.
Sei que te sentes a mais vezes demais, como se não devesses estar ali, e que por isso ficas em silêncio a assistir ao que acontece, sem te mexeres, sem te pronunciares.
Sei que não gostas particularmente daquela pessoa, cheia de defeitos escondidos por baixo da maquilhagem, que te olha do outro lado do espelho. Aquela pessoa que te encara, sempre com os olhos, da cor errada, semicerrados, num olhar de permanente desaprovação, e os lábios, demasiado finos, cerrados numa linha dura que claramente indicam desprezo por quem és.
Conheço-te todas as inseguranças e medos, e posso narrar-te cada episódio de rejeição, contar-te cada história de humilhação, porque sei de onde vêm cada uma das cicatrizes que tentas mascarar, cada uma das marcas que te esforças todos os dias por esconder.