ódio



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O café ainda na minha frente, por mexer.  Devagar, expiro o fumo.  Olho para a sobrancelha arqueada dela:

- Ele é um cabrão e quero mais é que ele se foda.

Ela olha-me e sorri. Sabe bem o que está por trás daquele comentário aparentemente sem nexo. Conhece-me melhor do que ninguém.

Tu chegaste depois de mim. Ela percebeu que tinhas chegado no instante em que a minha voz se calou a meio de uma frase. Viu isto acontecer centenas de vezes,viu o meu mundo parar no instante em que tu te aproximavas e tudo ficar em suspenso...  Paraste à porta a observar-me.  Demoraste-te nas pernas, deixadas a descoberto pelo vestido preto, bem curto, e subiste o olhar até ao meu rosto. Contraíste a face numa expressão de surpresa contrariada ao perceberes que te observava também.Dirigi-te um olhar frio e tu saíste. Não consegui conter um sorriso.

Não lhe dou tempo de replicar. Viro-me na cadeira, olho-a e digo-lhe:

- Ele é um cabrão que pensa que o mundo gira à volta dele. E ao contrário do que possas pensar, tudo o que me passa pela alma neste momento é ódio puro. Odeio-o por tudo o que sofri. Odeio ter gostado tanto de alguém cujo ego supera o número de estrelas, isto se se pudesse medir o ego de alguém.  Odeio pensar nas noites que perdi, a viver numa incógnita por ele ser covarde. Odeio ter vivido tanto tempo com o fantasma dele a assombrar a minha vida e as minhas relações.  Odeio o modo como ele me fez mudar e como me tornou taciturna. Odeio as cicatrizes que me deixou na alma e que me tornaram a vida depois dele tão difícil. Odeio que tenha o descaramento de me olhar nos olhos e fazer aquele ar de quem está a sofrer profundamente.Odeio-o tanto, que não sou capaz de demonstrar qualquer tipo de compaixão, não sou capaz de me lembrar de nenhuma boa razão para me ter apaixonado por ele. Odeio-o tanto que se lhe pudesse pagar na mesma moeda o sofrimento que me causou, se o conseguisse magoar ao pondo de fazê-lo odiar-me, fá-lo-ia! Por isso, se me vais perguntar se ainda olho para ele da mesma forma, a resposta é não. Odeio aquele cabrão convencido ao ponto de lhe querer esbofetear aquela cara estúpida.

Ela ri,  ri à gargalhada e eu fico aliviada. É aquele riso de quem sabe que estou a ser profundamente sincera, de que acredita em mim, que por trás da explosão de ódio e raiva que me transfiguram a expressão estão anos de um amor sofrido, de mágoas caladas,de palavras por dizer. De quem sabe que finalmente te concedo o desprezo que me mereces e que vou ali ser feliz e não volto mais a este lugar escuro.

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