Medo



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O coração acelera, a boca fica seca, as mãos tremem. Não consigo pensar com clareza, há uma espécie  de nevoeiro que me tolda o raciocínio e me deixa os pensamentos em torvelinho. Não consigo pronunciar uma única palavra correctamente, limito-me a balbuciar com incoerência. As lágrimas acumulam-se no meu olhar e tudo me parece estranhamente desfocado, uma espécie de realidade alternativa, como se olhasse através de um vidro fosco. Os sons que me chegam parecem abafados, como se tivesse a cabeça debaixo de uma almofada. A minha respiração é irregular, quase como se estivesse prestes a sufocar.

Sinto-me como se estivesse no meio de um furacão, a ser atirada de um lado para o outro, sem conseguir escapar, incapaz de encontrar uma saída ou solução...

Sinto-me vulnerável, exposta, nua, sem poder escudar-me na ironia ou no sarcasmo para esconder as minhas fragilidades, os meus medos. Não gosto de me sentir indefesa e desprotegida, de sentir que poderei ser magoada. Pela primeira vez em muito muito tempo não me posso esconder atrás de um sorriso ou de uma piada.

Tenho de avançar, mas temo que o meu passo incerto apenas me leve por um caminho demasiado tortuoso onde possa cair e ser incapaz de me levantar...

ódio



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O café ainda na minha frente, por mexer.  Devagar, expiro o fumo.  Olho para a sobrancelha arqueada dela:

- Ele é um cabrão e quero mais é que ele se foda.

Ela olha-me e sorri. Sabe bem o que está por trás daquele comentário aparentemente sem nexo. Conhece-me melhor do que ninguém.

Tu chegaste depois de mim. Ela percebeu que tinhas chegado no instante em que a minha voz se calou a meio de uma frase. Viu isto acontecer centenas de vezes,viu o meu mundo parar no instante em que tu te aproximavas e tudo ficar em suspenso...  Paraste à porta a observar-me.  Demoraste-te nas pernas, deixadas a descoberto pelo vestido preto, bem curto, e subiste o olhar até ao meu rosto. Contraíste a face numa expressão de surpresa contrariada ao perceberes que te observava também.Dirigi-te um olhar frio e tu saíste. Não consegui conter um sorriso.

Não lhe dou tempo de replicar. Viro-me na cadeira, olho-a e digo-lhe:

- Ele é um cabrão que pensa que o mundo gira à volta dele. E ao contrário do que possas pensar, tudo o que me passa pela alma neste momento é ódio puro. Odeio-o por tudo o que sofri. Odeio ter gostado tanto de alguém cujo ego supera o número de estrelas, isto se se pudesse medir o ego de alguém.  Odeio pensar nas noites que perdi, a viver numa incógnita por ele ser covarde. Odeio ter vivido tanto tempo com o fantasma dele a assombrar a minha vida e as minhas relações.  Odeio o modo como ele me fez mudar e como me tornou taciturna. Odeio as cicatrizes que me deixou na alma e que me tornaram a vida depois dele tão difícil. Odeio que tenha o descaramento de me olhar nos olhos e fazer aquele ar de quem está a sofrer profundamente.Odeio-o tanto, que não sou capaz de demonstrar qualquer tipo de compaixão, não sou capaz de me lembrar de nenhuma boa razão para me ter apaixonado por ele. Odeio-o tanto que se lhe pudesse pagar na mesma moeda o sofrimento que me causou, se o conseguisse magoar ao pondo de fazê-lo odiar-me, fá-lo-ia! Por isso, se me vais perguntar se ainda olho para ele da mesma forma, a resposta é não. Odeio aquele cabrão convencido ao ponto de lhe querer esbofetear aquela cara estúpida.

Ela ri,  ri à gargalhada e eu fico aliviada. É aquele riso de quem sabe que estou a ser profundamente sincera, de que acredita em mim, que por trás da explosão de ódio e raiva que me transfiguram a expressão estão anos de um amor sofrido, de mágoas caladas,de palavras por dizer. De quem sabe que finalmente te concedo o desprezo que me mereces e que vou ali ser feliz e não volto mais a este lugar escuro.

Ela e eu...



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Chama a atenção, não que seja particularmente bonita, mas tem qualquer coisa de especial. Talvez seja o ar frágil, de menina, presa no corpo bem feito de uma mulher. Talvez seja o modo de caminhar, como se não soubesse muito bem de onde vem, ou para onde vai, com a cabeça baixa, como que procurando alguma coisa perdida.

Levanta a cabeça, enquanto prende uma madeixa de cabelo rebelde atrás da orelha, os olhos muito abertos, uma expressão levemente confusa, como se estivesse surpreendida por se ver naquele lugar, sem ter bem a certeza como lá chegou. Tem um rosto bonito, os lábios rosados em forma de coração, perfeitamente cheios, como os de uma criança, dão-lhe um ar inocente, quase angelical. Os olhos são  bonitos, de um azul claro como o céu numa manhã de verão, mas o olhar, apesar de sincero é ensombrado pelas nuvens de tristeza que carrega na alma.

Senta-se no banco de jardim, cruza as pernas, o vestido amarelo a esvoaçar... Tira um livro da mala que traz a tiracolo e ali fica sentada enquanto o vai folheando, lentamente e a sua expressão se vai alterando. Um sorriso irónico trespassa-lhe o rosto, depois uma expressão chocada...Quando finalmente decide fechar o livro, tem lágrimas a bailarem-lhe no olhar.

Levanta-se, lentamente, como se receasse cair e vejo-a afastar-se, naquele passo incerto, por entre as árvores em tons de vermelhos e dourados, manchadas de Outono... E é como se me visse num espelho, com alguns erros deliberados, a caminhar, afastando-me daquele parque, afastando-me de mim mesma...





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