Se não puderes dizê-lo com palavras, di-lo com o olhar



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O tempo parece parado, petrificado naquele instante, em que, pela primeira vez, consegue lê-la. Fitam-se, e ela sustenta-lhe o olhar, dona e senhora de si, como se nada temesse, como se o desafiasse, convidando-o a desvendá-la.

Não fala, limitando-se a olhá-lo, sem subterfúgios, sem o habitual baixar de cabeça, sem nunca desviar o olhar, revelando-se. E naquele castanho caramelizado, encontra a resposta á dúvida que o assalta, intermitentemente, ao sabor das aproximações e distanciamentos dela. Vê na limpidez daqueles olhos, a transparência e sinceridade das palavras que deixa por dizer.  E o brilho que lhe dança no olhar, reflecte o fogo daquele sentimento que a consome.

Ela sorri, trazendo-o de volta ao presente, agindo como se depositar a alma no olhar, á mercê da análise dele, fosse tão simples como respirar, muito embora, num último relance, lhe tenha desvendado um breve lampejo de medo, a certeza absoluta de que ele  a tinha lido na perfeição e agora, finalmente, sabia.

Amada.



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Amou-a, apesar das mil e uma sombras que lhe bailavam no olhar, ocultando-lhe o cintilar sonhador que sabia lá habitar...

Amou-a quando o sorriso teimava em não aparecer, prisioneiro da tristeza que lhe devastava a essência, e quebrou as correntes, libertando-o, para que se derramasse sobre o mundo…

Amou-a, com as  lágrimas a correrem soltas pelo rosto, gotas de chuva, num qualquer inverno sombrio, que só o sol quente que ele era, lhe secou...

Amou-a, ainda sem a saber desfeita em mil pedaços, estilhaçada, uma e outra vez, em milhares de fragmentos tão ínfimos que quase se desfez em poeira, e que ele foi juntando, um a um, até a fazer inteira novamente..

Amou-a, conhecendo-lhe já a obscuridade, e tratando por tu os demónios instalados na sua alma, iluminou-a, fazendo-os recuar até aquele lugar esconso que trancou a sete chaves...

Amou-a, mesmo com os silêncios obstinados, que teimosamente interpunha entre os dois, tentando mantê-lo à distância, convencida de que não lhe merecia tanto apego.

Amou-a enfim, mais do que por aquilo que parecia ser, por quem era, com todas as imperfeições que apenas ela via, que aos olhos dele, eram apenas a prova suprema da humanidade dela, da sua fragilidade, o indício perfeito da necessidade de a proteger.  

Amou-a… e continuaria a amá-la, para lá do tempo, do espaço e das circunstâncias.


Quimera



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Dá por si perdida no olhar esfíngico, numa tentativa vã de lhe desvendar o enigma de tons terra.  Há muito que aquelas janelas, que deveriam revelar o que de mais íntimo lhe vai na alma, se lhe afiguram fechadas, mesmo quando abertas de par em par, nos raros momentos em que a encara de frente, sem nunca se demorar, nada desvendando, nada deixando antever para lá daquela permanente névoa cerrada, na qual esquece o norte e se desorienta. 

Isolado numa fortaleza de silêncios e aparente quietude, escuda-se do mundo, estratega rematado da sua própria defesa, ocultando a sua essência do desvelo dela. Domina os instintos com vontade férrea, não lhes permitindo qualquer passo em falso, qual senhor da guerra, ciente do poder da disciplina auto imposta.

Mestre na arte da ponderação, todo ele é  contenção e racionalidade pura, no modo frio como analisa cada detalhe de tudo, como um jogador de xadrez, certificando-se das consequências de mexer um dos seus peões.

Apesar disso, há nele ternura, visível apenas a olhos atentos, pequenos lampejos de emoção e sentimentalismo que procura ocultar, vestígios de uma mágoa qualquer que carrega no peito, como lembrete, para nunca mais se deixar esmagar pela dor.

Compreender-lhe os intrincados mistérios, ler-lhe a alma, sabê-lo de cor, nada mais é que uma utopia, uma busca frustrada a cada nova tentativa, como caçar quimeras em sonhos...

Desperta da contemplação, quando acidentalmente ele lhe toca, com os longos dedos frios, e sente a pele queimar no exacto local onde a tocou, qual fogo fátuo, uma chama brilhante mas efémera. 

E se ele é Quimera, ela é Fênix, deixando-se consumir nessa chama, até que dela apenas reste cinza, para renascer... E começar tudo de novo.



Pudesse ele...



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Pudesse ele esquecer quem é, despojar-se de si mesmo, despindo a essência, e ser por umas horas egoísta, deixando as consequências para depois...

Pudesse ele converter a insegurança que lhe entorpece o coração em coragem flamejante que lhe incendiasse os anseios desfazendo-os em cinza...

Pudesse ele extrair do seu âmago aquele sentimento que confinou ao mais recôndito da alma e que lhe revolve as entranhas, e colocá-lo a nu, em plena luz do dia, deixando-o livre para se revelar...

Pudesse ele segredar-lhe as palavras que de tanto serem caladas quase o sufocam e lhe queimam a língua, fazendo-as ecoar no íntimo dela, estrangulando-lhe a incerteza que lhe vê no olhar...

Pudesse ele roubar-lhe um beijo, que lhe sossegasse o desejo de a provar e lhe desfizesse a inquietação de saber qual o sabor dos sonhos...

Pudesse ele amá-la, extinguindo o fogo que lhe atiça a vontade de arder com ela, derretendo juntos numa chama perpétua...

Pudesse ela corresponder...

Expressões



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Os olhos são de um castanho escuro, com matizes de avelã. Vê-os vivos e brilhantes quando está alegre, e esmaecer, quase como cobertos por névoa, quando se entristece.

Às vezes traz no olhar uma expressão maliciosa  e travessa, quase sempre seguida de uma  piada parva, outras, raras, traz  uma seriedade incomum, acompanhada de um humor soturno.

Traduz o entusiasmo no modo como fica com os olhos muito abertos, e revela incerteza quando os semicerra.

Quando gosta, os olhos dela ficam mais claros, com o tom avelã quase caramelizado, acolhedor. Se odeia, escurecem e enchem-se de um frio gélido.

De quando em vez, fica com o olhar vítreo, fixo para lá da realidade, sonhadora e esquecida de onde está. E por vezes parece absorver a profundidade do presente num relance atento.

Fala com o olhar, e talvez por isso, parece evitar o contacto visual, fixando sempre um ponto distante acima da cabeça dele, talvez escudando-se do escrutínio de quem parece lê-la na perfeição, talvez consciente de que os seus olhos revelam mais do que pretende, talvez por pura timidez.

A boca é pequena, de tom rosado, com um sinal repousado no lábio inferior.

Quando sorri, tem um sorriso doce, que forma duas pequenas covas, não nas bochechas, mas nos cantos do sorriso, como se naquele pequeno espaço coubessem todas as alegrias do mundo.
E se se aborrecer, faz beicinho, quase como uma criança a fazer birra.

Às vezes, quando está concentrada em algo importante, morde o lábio inferior. Outras, quando refreia o ímpeto de dar uma resposta menos simpática, morde a bochecha por dentro, do lado direito.

Conhece-lhe bem as expressões, quase como se fossem dele, quase como se fossem a mesma pessoa.

O que o intriga são as palavras, as que diz, porque muito embora não duvide da sinceridade delas, lhe parecem cuidadosamente selecionados, cheias de segundos sentidos, como se dissessem algo sem o dizerem, e as que não diz, porque lhe parece haver algo mais nos silêncios súbitos dela, nos olhares que lhe evita e nos sonhadores, nas covinhas dos sorrisos que lhe dedica.

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