Quando penso em ti, tenho invariavelmente a companhia das lágrimas.Já me habituei ao teu silêncio, já me conformei com o teu adeus, mas, apesar de toda a mágoa, de todo o ressentimento, de todo o mal que me fizeste, sinto-te a falta. Eliminei quase tudo o que me lembrava de ti. Apaguei todas as tuas palavras, aquelas que pensava terem sido escritas a pensar em mim, com a alma, mas que mais não foram do que produto da necessidade de provares à tua mente retorcida que conseguias iludir-me. Já não ouço algumas das músicas que costumava ouvir, apenas porque sei que também as ouves e não quero ter nada a ligar-me a ti. Aquela transparência que te permitia perceber o que estava a sentir, mesmo quando eu não o dizia, desapareceu. Apenas as lágrimas ficaram como tributo á tua maldade. E uma cicatriz de solidão, mesmo no lugar de onde me arrancaste o melhor pedaço de mim.
É por isso que te sinto a falta. Porque me sinto incompleta sem essa parte de mim, porque quero de volta as palavras sinceras e sentidas, e ser capaz de me abandonar a elas, quero as melodias que me embalavam a ingenuidade e ser ainda inocente, quero a sinceridade quase incómoda que existia em mim e poder não mentir a mim mesma quando digo que te odeio.
E eu, a eterna indiferente, permanecerei em silêncio, não te olharei, não chorarei. Partirás com a certeza que nunca te amei, convicto, tu, senhor da verdade absoluta, que não me importo, que a tua ausência não faz qualquer diferença. E à medida que o tempo avançar, que a vida passar por ti, eu tornar-me-ei numa memória distante, desfocada pelo tempo. Talvez uma música te lembre de mim, de vez em quando, num momento de nostalgia, que logo reprimirás, lembrando a minha frieza, a minha indiferença. Não sabes que te amei. Nunca to disse. Amei-te com toda a minha alma, com todo o meu coração, num silêncio assustado, de quem tem medo de se ver ferida. Abandonar-me-ás e nada farei para te impedir pois estarei despedaçada, despojada de qualquer sentimento, exceto dor, petrificada para sempre neste silêncio gritante que me rasga a alma e me fere os tímpanos. Alguma vez te direi as palavras que me queimam a língua mas que teimam em não saír? E porque deverei eu dizê-las? Não bastará sentir? Partirás, e as palavras ficarão caladas, gravadas na minha alma e apenas sentirei.
Aquele sentimento outra vez. Como se um ultimo acto de loucura, uma demonstração da minha fragilidade emocional, causada pelos copos que bebi a mais numa tentativa que nem sei bem se foi de mostrar que estou óptima ou de silenciar a saudade, pudesse mudar tudo. São 3 da manhã e tenho vontade de te ir tocar á campainha só para gritar na tua cara todos os teus estúpidos erros, para te dizer todas as palavras duras que calei durante tanto tempo, para te magoar como fizeste comigo e para chorar no teu abraço enquanto por entre soluços te digo o quanto me fazes falta. Mas não vou. Continuo a fitar o copo vazio, com o mesmo sentimento de insanidade que tomou conta de mim nos meses que se seguiram á tua partida. Sei que sentirias por mim. Sei que ficarias magoado. Sei que voltarias, apesar de tudo. Mas eu sou orgulhosa, teimosa. Jamais te iria mostrar o quão despedaçada me sinto desde aquele dia. Nunca te direi que já não respiro livremente desde que foste embora. Que os dias e as noites já não fazem sentido, são apenas tempo interminável que terei de suportar sem ti. Não te deixarei ver-me assim, reduzida a esta letargia que me consome a alma, a estas lágrimas que caem quase sem que eu perceba. Não te procuro, em vez disso, bebo mais um copo, engulo as lágrimas, ponho um ar de indiferença e finjo que estou bem.
Cruzamo-nos por acaso. E tu escolheste-me. Era ingénua, já uma mulher, mas com alma inocente de menina. O teu jeito, tão único, cativou-me. Não sabia que quem me dizia as mais belas palavras, seria também capaz de pronunciar as mais cruéis. Não sabia que a cúmplicidade viria a desvanecer-se numa névoa de estranheza. Não sabia que o riso daria lugar a lágrimas. Não sabia que uma curta presença poderia tornar-se na mais excruciante ausência. Escolheste-me apenas porque era crédula, porque ainda conseguia ver e acreditar no melhor de cada um. Acreditava em contos de fadas e histórias de princesas, em sapos que se transformam em principes...Confiei em ti...E tu escolheste-me a mim para me dilacerares a alma e me estrangulares a inocência...Não foi por falta de aviso. Disseste-me várias vezes o quão indiferente à dor alheia conseguias ser. Nunca acreditei em ti. Parece irónico que tenha acreditado em todas as mentiras e fantasias e nunca o tenha feito com a única verdade que me disseste. Agora não acredito em nada. Nem fadas, nem princesas, nem sapos que se transformam em principes. Ainda assim, aquele pequeno cantinho da minha alma que sobrou depois de teres estilhaçado tudo o resto ainda sofre. Sofre quando recorda o tanto que teve e foi e vê o nada que tem e é. Será que foi por acaso?
O melhor de nós os dois foram sempre as discussões. Eram apaixonadas. Aquele momento de loucura em que estando a um passo do abismo, saltávamos. O momento em que gritávamos as palavras mais cruéis, despidas de sentimento real, nuas de significado verdadeiro, com a mera intenção de causar dor. Consumidos pela raiva, partíamos os porta retratos e rasgávamos as fotografias com as mãos trémulas. Esmurravas a parede e eu batia com as portas.Tu saías de casa e afogavas as mágoas, num copo fervente de ódio destilado por mim, na companhia dos teus amigos que te diziam que era só um arrufo. Eu ficava sentada no chão, encostada à parede, no escuro, com a tristeza a corroer-me a alma, contemplando aquilo que achava serem os cacos do nosso amor brilharem á luz da lua que entrava pela janela aberta. Voltavas de madrugada, com o cheiro do tabaco a impregnar-te as roupas, uma garrafa de vodka debaixo do braço e uma rosa roubada da vizinhança na mão, para me encontrares adormecida no mesmo sitio, no meio dos cacos, com o rosto marcado das lágrimas. Acordavas-me e oferecias-me um copo, punhas-me a rosa no cabelo e fazias-me uma caricia no rosto. Perguntavas-me se queria conversar, mas recomeçávamos a discussão, até que me silenciavas com um beijo selvagem...Acordávamos de manhã, enrolados um no outro, com a garrafa vazia ao nosso lado, pétalas de rosa espalhadas pelo chão, junto com as nossas roupas rasgadas e os corpos marcados da paixão da noite anterior. Olhávamos um para o outro e sorríamos, refeitos da loucura da noite anterior e, em silêncio, apanhávamos os cacos.
O melhor de nós os dois foram sempre as discussões.
(imagem: https://www.flickr.com/photos/dixonbaxi/2498445479/)
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