Interpretações



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Finge que são verdades absolutas as interpretações que fazem daquilo que escreve, como se ela fosse um livro aberto, que pudessem ler e cujas metáforas pudessem desvendar sem conhecerem o contexto e o íntimo da personagem principal. Deixa que distorçam as palavras dela, reescrevendo a história, de modo a que seja sobre ti, como se ela não fosse capaz de dizer clara e directamente aquilo que sente, quando o sente, como se precisasse de intérpretes e figuras de estilo na hora de revelar o que de mais secreto guarda na alma. Permite que joguem com os duplos sentidos das palavras que escolhe, como se ela não as escolhesse propositadamente, como se ela não previsse que as fossem ler descontextualizadas, para provarem a teoria. 

A verdadeira beleza da escrita é essa, o poder pôr o coração no papel e contar uma história que vai de encontro aquilo que sentimos, sem que essa seja, necessariamente, a nossa história ou então, contar uma história que nada tem a ver com o que sentimos, mas que vai de encontro ao que outros sentem, transmitir emoções que não sentimos no momento em que escrevemos, mas que sabemos que vão emocionar quem as ler, o poder viver num mundo de fantasia, sem tirarmos os pés do chão, criar personagens inspiradas em pessoas reais e podermos ser quem nunca fomos ou seremos.

E sim, a escrita será sempre a primeira paixão dela, o seu elemento, onde se sente confortável, onde se pode exprimir com maior facilidade, onde pode encontrar conforto, onde pode repousar o ser quando o raio da vida parece demasiado complicada, onde o amor, a paixão, a dor, o medo, a solidão e até mesmo o silêncio são fáceis de compreender, de revelar, de expressar. A escrita será sempre o porto de abrigo da sua alma, onde os segredos tanto podem estar escondidos á frente dos olhos, numa frase simples, como podem ser revelados numa frase difícil de decifrar, onde os seus demónios tanto se consomem, como renascem, onde os sonhos tão depressa nascem, como fenecem, onde se perde e se volta a encontrar.

Quanto ás interpretações... Vou facilitar-te a vida, sim, "ela", neste texto sou eu.
E tu? Interpreta como quiseres ou deixa que interpretem por ti...

Gosta de ti.



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Vai espicaçar-te com trocadilhos parvos e provocar-te só para te arrancar um sorriso. Cada conversa que tenhas com ela, vai ficar-lhe na memória e lembrar-se-á de cada detalhe. Vai falar-te das coisas que a apaixonam, com uma alegria quase incontida.

Provavelmente vais perceber que por trás da mulher à tua frente, está uma menina que não cresce, que acredita em principes e contos de fadas, que acha que o amor é sempre a resposta, que os sonhos são para serem realizados e que vale a pena morrer por ideais. No fundo, vais ver-lhe a essência, sem a capa de cinismo que usa para conseguir viver no mundo real.

Vai contar-te pormenores idiotas da vida dela, partilhar histórias ridículas e rir á gargalhada do desastre com pernas que sabe ser. Vai falar ininininterruptamente, saltando de tema em tema, sem guião nem lógica definida, porque o silêncio a deixa desconfortável.  E quando a conversa começar a ficar séria, vai desconversar e fazer-se de desentendida porque o "sério" a deixa sem jeito.

Não vai olhar para ti quando fala e se eventualmente o fizer, será por breves momentos, desviando o olhar em seguida, porque lhe parece que se a olhares nos olhos, poderás ver para lá da máscara de segurança com que esconde as fragilidades. Vai tentar ajudar-te se achar que precisas, mesmo que às vezes atrapalhe mais do que ajude...

E vai fazer tudo isso porque, á maneira estranha e desajeitada dela, gosta de ti e confia em ti... mesmo que não o diga, porque... Caramba, quem é que gosta de dizer "gosto de ti" a quem quer que seja?
Quem é que gosta de dizer palavras tão difíceis de dizer, expor a alma, as emoções e os sentimentos de forma tão clara e tão passível de rejeição? 

Mas ela, com aquele feitio estranho e aquele ar de quem odeia tudo e o que ainda está por inventar... gosta de ti!

E o tempo parou...



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Abraçou-a. Não era fácil abraçá-la, sempre a esquivar-se a qualquer demonstração física de afecto, como se temesse que o toque, por mais inocente que fosse, a pudesse desarmar e derrubasse a impenetrável muralha que erguera á sua volta e que na maioria das vezes era imensamente eficaz a manter as pessoas á distância.

Odiava vê-la assim, fragilizada, indefesa, de olhar turvo pelas lágrimas e parecendo completamente perdida, esquecida até de usar a máscara de dureza que usava habitualmente para se proteger do mundo.

Há muito que esperava poder abraçá-la mas detestava que fosse assim. Colocou os braços á volta dos ombros dela e apertou-a contra o peito, procurando escudá-la da dor que a assolava e cujos motivos ele desconhecia. Procurou colocar naquele abraço todo o carinho que sentia, todas as palavras doces que ela, com aquele jeito fugidio, nunca lhe deu oportunidade de dizer.

Sentiu a cabeça dela encostada ao seu peito, e as lágrimas molharem-lhe a camisa. Baixou o olhar para ela, e viu as longas pestanas cobertas de pequenas gotas cintilantes e os olhos cor de avelã olharem-no. Sentiu-a contorcer-se no seu abraço, esticando uma mão trémula que lhe pousou na face, e viu o rosto dela aproximar-se. Sentiu os lábios quentes dela e o sabor das lágrimas salgadas.

E o tempo parou.

Promete.



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Se o teu olhar se perder no meu, e eu perder a razão, se esquecer onde estou, quem sou e o porquê deste meu jeito, se me abandonar a ti, se me render aos teus sorrisos alegres, se me encantar pelos teus gestos meigos, se me deixar caír no teu enleio e for tua, tão tua que a minha alma não saiba mais como me pertencer...
Promete que me vais querer como sou... que não vais tentar domar a selvagem em mim, que não vais tentar curar a romântica incurável que sou... Promete que não vais tentar ensinar-me a ser forte quando a minha fragilidade precisar do teu abraço...que não vais pedir-me calma quando eu precisar de gritar a minha raiva aos 7 ventos...
Promete-me que me vais querer, como me queres agora, enquanto ainda não sou tua...

Dúvida.



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Quando ficas a sós, interrogas-te, uma e outra vez. Na tua cabeça, como num filme, passam, uma a uma, todas as conversas, cada momento, em câmara lenta, para que os possas rever e analisar. Arranjas mil e uma desculpas, argumentos vazios para o "é impossível" em que queres tão desesperadamente acreditar.  Debates-te internamente entre o que é visível, factual,  os gestos, as atitudes, e o que é meramente abstracto, os motivos, as intenções. 

Mas mais do que duvidar do que lhe vai na alma, e que denuncia apenas em pequenos gestos, suspeitos sim, reveladores talvez, mas justificáveis, pelo menos na tua óptica, recusas-te a assumir o que te faz sentir.

Queres acreditar que realmente não passam de coisas da tua cabeça, ilusões, más interpretações, porque dessa forma podes continuar a fingir que não sentes, que não te afecta e não precisas de pensar mais nisso, porque "nunca vai acontecer". Sem uma centelha de luz que possa tornar o  teu "impossível"  possível, não tens de lidar com a dimensão da tua própria vulnerabilidade, com todas as fragilidades, anseios e medos que a tua condição humana acarreta.  

As perguntas sem resposta acumulam-se, corroem-te como ácido, infiltram-se em todos os teus pensamentos, minam a tua mente e roubam-te a paz de espírito.  Queres questionar,  tirar esse peso do peito, mas colocas tudo em perspectiva, analisas tudo de diferentes ângulos, pensas demasiado, temes sem saber bem o quê.

O "E se..."  é esta noite, uma vez mais, a tua melhor companhia, quando deitas a cabeça na almofada, ciente de que os teus sonhos vão ser povoados por aquele olhar... Amanhã, provavelmente, será o teu maior arrependimento. E se...?

Ainda sobre ela...



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As palavras jorram em catadupa, emendando um assunto no outro, quase sem pausas para respirar. Parece confortável, dona e senhora de si, no entanto, é só aparência.

Num olhar mais atento, vês a insegurança no modo como baixa o olhar quando a encaras ou o fixa num ponto bem distante acima da tua cabeça, nos dedos trémulos que agarram numa caneta e começam a rabiscar só para evitar o teu olhar, no meio sorriso, sem jeito, na hesitação ao escolher as palavras.

Faz com que tudo pareça natural, age como se aquela fosse ela, como se aquelas pequenas manias sejam coisas sem importância. Na realidade, é timidez, desconforto, insegurança, medo. Uma amálgama de fragilidades que procura ocultar e que só vês se olhares com atenção.

Fechar a porta?



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Quebram as correntes que os prendem no âmago do meu ser e trepam como hera pelas paredes da minha alma. Enclausurados em mim durante demasiado tempo, libertam-se finalmente e deixam-me inerte, na dúvida entre reconhecer-lhes a existência ou lutar uma vez mais, até ter a alma em ferida e confiná-los novamente ao mais recôndito dos esquecimentos. E quando percebo, ja me corroem a essência. Todos os sentimentos que silenciei, que refreei, que escondi, até de mim mesma, á solta... No olhar que o espelho me devolve vejo lampejos da perversidade que se instalou e há naquele sorriso estranho uma espécie de desafio trocista, como se me perguntassem: e agora, o que vais fazer connosco?
E eu não sei. Não sei como voltar a colocá-los naquele lugar de mim que nunca visito, como fechar a porta que nunca deveria ter aberto.

Sobre ela...



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Não te olha nos olhos, como se tivesse medo, não do que vai ver, mas do que pode revelar. Como se pudesses ver, através do olhar dela, os segredos que guarda na alma. Não fala sério, nunca o faz, escudando-se na piada, como se o riso lhe espantasse os demónios. Posiciona-se estrategicamente, sempre a uma distância segura, evitando o toque, como se ao estar fisicamente longe, pudesse afastar-se emocionalmente, não permitindo que ninguém se aproxime o suficiente para a magoar.  Parece absolutamente calma, no entanto, enrola a mesma madeixa de cabelo nos dedos, vezes sem conta, num tique nervoso fácil de descodificar. Não parece o tipo frágil e ainda assim, dás por ela a morder a bochecha para não sucumbir às lágrimas. E quanto mais a conheces, menos a entendes.

Neste lugar á noite...



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As luzes tremeluzentes, lá muito em baixo, parecem reflectir o meu estado de alma, os meus sentimentos a oscilarem perigosamente, ora puros e cheios de brilho, ora egoístas e negros como breu. 

Reina o silêncio, apenas interrompido pelo cantar das cigarras e pelos sons distantes de uma cidade que parece não dormir, tal como eu, acordada pelos ruídos gritantes das minhas incertezas.

Estou o mais próximo que é possível estar do céu aqui, e ainda assim, nunca me senti tão definitivamente no inferno.

Vejo uma estrela cadente e peço-lhe um desejo, plenamente consciente de que a sua realização, seria também a concretização do meu pior pesadelo.

Vim á procura de paz, mas sinto-me cada vez mais inquieta, procurava encontrar-me e quando dou por mim, estou ainda mais perdida...

Naquele lugar



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Esquece-se dela, no momento em que se despedem, como se ela apenas existisse ali, naquele lugar onde ela sorri com lábios de morango e ri com vontade, numa gargalhada quase musical, onde as palavras fluem como um rio e discorre apaixonadamente sobre sonhos e ideais, onde ela se afasta e evita o toque, quase como se temesse que uma corrente eléctrica a atravessasse, onde baixa o olhar avelã, daquele modo tão característico, numa timidez tão estranha em alguém que parece tão extrovertido.

Esquece-se dela, naquele lugar onde ele pode fazer confidências e contar-lhe histórias e ideias sem nexo, onde pode ser mais frágil e humano sem temer que o ache fraco, onde pode perder-se em ilusões e sonhos e sentir-se acompanhado, onde franzir o sobrolho de concentração, numa expressão tão habitual nele, não é considerado sinal de amuo ou aborrecimento, onde pode ser quem é, sem estranhezas ou embaraços.

Esquece-se dela, naquele lugar onde pode observar-lhe os trejeitos e expressões, sem receio de interrupções, sem temer que ela possa perceber, concentrada que está em evitar encará-lo, onde se contém e não diz as palavras que lhe queimam a língua, onde a vontade de perder a razão com ela lhe devora as entranhas, onde é, enfim, seguro estar com ela.

Esquece-se dela, naquele lugar, onde a existência dela não se fina, mas lhe é mais agradável, onde a pode esquecer hoje e reencontrar amanhã.

Esquece-se dela, para não ter de a lembrar, a cada passo que dá, com a consciência que a vida lá fora nunca será como naquele lugar.

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