Saudades...



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Eu fico em suspenso enquanto a vida lá fora avança. O silêncio e a quietude que se instalaram entre estas paredes, contrastam com o barulho e a agitação da minha alma. Quero mover-me, mas não sou capaz. Quero falar, mas as palavras parecem ter ficado petrificadas no meu interior. Apenas as lágrimas, eternas companheiras de quem ama, se manifestam.  É sempre assim quando não estás. A casa fica lúgubre e eu apagada com a tua ausência. O ar torna-se rarefeito e o esforço que faço para respirar sem ti cansa-me o corpo e a alma, deixa-me desfeita em pedacinhos minúsculos e amachucados que só voltarão a juntar-se quando regressares para junto de mim. As saudades de ti estrangulam-me o pensamento e nada ao meu redor faz sentido. Não sei ser sem ti.

Tenho tantas saudades...

Mergulho.



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Mergulho de cabeça no oceano profundo de tristezas e mágoas que se estende à minha frente. A dor é tal que me impede de voltar à superfície. Sinto o ar esgotar-se nos pulmões e quase agradeço o alivio que chegará com a inconsciência. Talvez fique submersa durante algum tempo no fundo do mar, empurrada pelas ondas de saudades e solidões que um dia se apoderaram da minha alma. Ou talvez acabe a flutuar, como o silêncio flutua ainda no espaço que me separa de quem um dia me foi tão querido. Uma vaga violenta de desespero acabará por atirar o meu corpo despido de alma para a praia agora deserta que um dia chamei de vida. As gaivotas virão e chamarão a atenção de um pescador para mim. E ele ficará entristecido ao ver-me assim, roxa e sem respirar. Encostará a cabeça no meu peito e verá que o meu coração, ainda que fraco, bate. Tentará trazer-me de volta, mas não saberá que estará apenas a recuperar um corpo e não uma vida. Porque sem alma, nenhum corpo pode viver, apenas sobrevive. Sem sentir, adormecido pela inércia de uma quase morte que não o sendo, acaba por sê-lo.

Prisão



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És como uma prisão sem grades na janela. Encarceras-me em ti mas deixas-me a possibilidade de fuga. Cercas-me com os teus muros lúgubres, mas permites-me respirar liberdade. E eu respiro-a, sinto-a ao alcance de um passo, mas fico sentada no chão da minha cela. Não sou capaz de caminhar em direcção a essa liberdade. Assentaste a prisão em que te transformaste numa base de silêncio impenetrável. Não gosto de ter o silêncio como companhia nesta cela sombria. Por isso grito, muito embora não ouças os gritos que ecoam entre as paredes da minha alma. E eu sei que posso fugir, mas não o farei. Não enquanto não souber qual o meu crime, porque fui julgada e condenada sem ter direito a uma defesa. E quando o souber, não fugirei. Clamarei inocência, derrubarei as paredes da minha cela, os muros que ergueste em torno de mim e libertar-me-ei.

A minha alma é Outono.



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Quando penso na minha alma, penso-a sempre e preto e branco. Como se fosse um filme muito antigo, gravado debaixo de chuva e a imagem estivesse cheia de grão. Dá a ideia de um lugar triste, solitário. Uma rua nas imediações de um qualquer centro histórico, em pleno inverno, durante a noite.  Não que eu seja uma pessoa sem cor. A minha vida veste-se de azuis, amarelos, rosas e verdes. Mas a alma, essa, tem sempre tons que variam entre o preto, o branco e o cinzento. É obscura.

Talvez me tenha encantado por uma solidão qualquer que se foi instalando na minha alma e fez dela a sua casa. Aliás, quase todas as coisas de que gosto no mundo, são solitárias. Quando penso num farol, vejo-me sozinha, junto ao farol a olhar o mar. Se penso num comboio, imagino-me sozinha, num daqueles comboios antigos, cujas portas ainda abrem em movimento, com um livro de poesia como companhia. Quando penso em árvores, vejo-me sentada debaixo de uma árvore despida de folhas. Sozinha, sempre sempre sozinha.

O Outono é a minha estação preferida. Na minha opinião, a mais bonita. Porque é melancólica. Triste. Acho que a minha alma é Outono. Mas um Outono sem os dourados, vermelhos e laranjas que o costumam colorir. É um Outono chuvoso, com árvores despidas, vento a virar as páginas de um livro abandonado sobre uma mesa de jardim. É um Outono cinzento.

Chama extinta.



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A chama extinguiu-se. Talvez um sopro de solidão a tenha feito apagar-se. Ou então, cansou-se de brilhar sem ser capaz de  iluminar. Talvez uma lágrima a tenha destruído. Sem a chama, a escuridão que me penetra a alma é total. Infiltra-se em cada um dos recantos vagos, aloja-se em cada sentimento, domina cada memória. E eu fico perdida nessa escuridão, sem conseguir encontrar o caminho de volta. Se ao menos eu conseguisse encontrar uma nova chama. Mas as chamas não são todas iguais e não iluminam do mesmo modo. Se ao menos eu tivesse luz própria...

O farol - II



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Pararam de rir muito tempo depois. Ela deitou a cabeça sobre o peito dele e adormeceu. Ele acariciou-lhe o cabelo até caír no sono também. Quando voltaram a acordar, já a tarde ia a meio. Vestiram-se em silêncio, ainda desorientados com o que tinha acontecido naquela noite. Ela temia o momento em que abandonassem o farol. Como se aquela porta velha e ferrugenta pudesse encerrar a magia daqueles momentos e nunca mais ela lhes pudesse aceder. Quando desciam as escadas, ele deu-lhe a mão. Saíram às escondidas. Áquela hora muita gente passava por ali. Havia os pares de namorados que escolhiam as rochas para se refugiarem do mundo, havia os casais que levavam os filhos a caminhar, havia as senhoras que aproveitavam para fazer exercício, na eterna luta contra a idade.

Ele não precisou de lhe dizer nada. Enveredaram por entre as rochas e foram ter a um local deserto da praia. Ele sentou-se e ela aninhou-se entre as pernas dele. Ficaram ali, em silêncio. A felicidade dele estava ensombrada. Queria falar-lhe disso, mas faltava-lhe a coragem. Não sabia como lhe perguntar. Até que ela se virou para o olhar. e a pergunta que lhe queria fazer saiu disparada:

- Porque não me disseste que era a primeira vez?

Ela corou. E ele quase se esqueceu da resposta que esperava ao vê-la corar. Ficava tão bonita com aquele rubor na face.

- Teria feito diferença? - respondeu-lhe com uma pergunta. Claro, era tão tipico dela. Responder às questões com nova pergunta dava-lhe tempo para perceber a intenção, prever a reacção do outro e pensar na resposta certa.  Mas naquele momento ela não estava a jogar. Queria realmente saber se ele teria feito algo diferente se soubesse.

A contragosto ele respondeu: - Talvez. Agora nunca saberemos. Talvez não o tivesse feito se o soubesse.

Ela ficou pálida. Fixou o olhar no dele e perguntou: - Estás arrependido? Porquê?

Ele não fugiu do olhar dela. - Não estou arrependido. Não é disso que se trata. Trata-se de ti. Não de mim ou de como me sinto. A questão é saber se tu não estás, se amanhã não te vais arrepender. Eu, ao contrário de ti, já vivi muito. Já estive com muitas mulheres, umas por amor, outras porque aconteceu, outras porque me apeteceu levá-las para a cama.  Para mim, essa nunca foi uma questão que tivesse importância. Quando acabava, não precisava de me preocupar com isso. Mas contigo é diferente. Tu já deves ter gostado de alguém, mas nunca te entregaste assim.

Ela reflectiu por momentos, depois disse-lhe: - Arrependimento é uma palavra que nestas coisas não deveria existir. Não me arrependo. É verdade que nunca me entreguei assim. Mas também é verdade que ninguém me encantou como tu. Que nunca ninguém me soube chegar ao coração como tu. Que nunca ninguém soube quebrar cada uma das barreiras que ergui à minha volta. Que nunca ninguém me fez sentir especial como tu.  A mim parece-me que estás preocupado com qualquer coisa que nada tem que ver comigo ou com o que sinto.

- Bem, também existo eu. - começou ele - Eu que me sinto como se te tivesse levado a fazer algo que não deverias ter feito. Que me sinto como se te tivesse levado a prenderes-te a mim. Que me sinto como se te fosse deixar uma marca para o resto da tua vida.

- Não me levaste a fazer nada. Em momento nenhum me senti manipulada. Sim, sei bem que nada do que fizeste ontem foi inocente. Que o jantar, o caminhar à luz do luar e o farol tinham segundas intenções. Julgas-me assim tão ingénua? Ao ponto de achar que não o planeaste? Não, não sou assim tão naif. Claro que me levaste a prender-me a ti. Mas não foi o que aconteceu ontem que levou a isso. Foram os meses de cartas quase diárias. O modo como só através daquilo que escrevias me mostravas cada uma das coisas que te rodeavam. E como depois, quando me chegavam as fotografias elas eram exactamente como eu as imaginava. O modo como compreendias cada um dos sentimentos contidos nas minhas palavras. Como os decifravas, como me ajudavas a viver com eles.   E sim, é provavelmente uma marca para sempre. Mas fui eu que escolhi essa marca, fui eu que escolhi quem a deixava, fui eu que te escolhi e te permiti marcares-me! Se a tua preocupação é o facto de te sentires na obrigação de alguma coisa, não precisas de te preocupar. Podes ir embora a qualquer momento, não vou fazer uma cena, não vou perseguir-te.  - terminou com os olhos já cheios de água.

A violência da resposta deixou-o chocado. Ela estava a perceber tudo mal. Aquele sentimento de culpa que lhe pesava na alma nada tinha que ver com um desejo de partir. Nada tinha que ver com a liberdade dele.

- Ouve-me. Não quero ir a lugar nenhum. Estou aqui e vou ficar, enquanto assim o quisermos os dois. Sinto-me culpado, sim. Porque te seduzi deliberadamente. Porque, ainda que aches que tomaste uma decisão, a verdade é que te conduzi a ela. Tu achas que não. Mas tu já não consegues olhar para mim com clareza. És tu quem me preocupa. Ontem entregaste-te totalmente. Sem questionares nada. Abdicaste de algo que sempre preservaste em nome de um sentimento que nem sabes o que é. Se eu não for exactamente aquilo que estás à espera que eu seja, vais magoar-te. Vais recriminar-te pela decisão que tomaste. Vais culpar-me a mim e nunca voltarás a olhar-me da mesma forma. - Disse-lhe aquilo sem nunca largar o olhar dela, analisando cada uma das suas expressões.

- Eu não sou de cristal. Não quebro com facilidade. Ainda que não sejas aquilo que me pareces ser, hei-de saber lidar com isso. Deixa de te sentir culpado. Não decidas por mim e não te ponhas a fazer previsões. Se fossemos engolidos pelo mar neste momento, o teu último sentimento seria essa culpa, ao passo que eu me afogaria feliz.  Limpa a tua alma desse sentimento porque não sabes o que pode acontecer daqui a um minuto ou dois.  Assegura-te que estás feliz e em paz. - O modo como ela falou não admitia réplicas.

Ele abraçou-a apesar das dúvidas. Ficaram ali calados até a primeira estrela surgir no céu. Depois seguiram para casa dele.

Ele quis cozinhar. Não lhe apetecia por aí além partilhar aqueles momentos com o resto do planeta num restaurante qualquer. Ela foi tomar banho. Quando saiu, e como não tinha trazido roupa, vestiu um roupão turco dele. seguiu para a cozinha e enquanto ele terminava de cozinhar, ela pôs a mesa. Não conseguiu evitar um sorriso quando o viu de avental, com o cabelo preto todo desalinhado, os olhos verdes iluminados por uma vela e a garrafa de tinto na mão. Ele era verdadeiramente bonito. Tão bonito que ela ficava estática na contemplação da beleza dele. Durante o jantar, não falaram muito. Estavam ambos extenuados pelas emoções daquele dia.

Depois de arrumarem a cozinha foram para o quarto. Ela despiu o roupão e deitou-se. Adormeceu em minutos.  Ele foi tomar banho e quando voltou parou à porta a olhá-la. Parecia tranquila. Estava deitada de lado, com um braço flectido e a mão debaixo do rosto. O outro braço estava estendido ao longo do corpo. O lençol branco contornava-lhe o peito e deixava à vista o joelho dela. O contraste do tom de pele moreno dela com o lençol branco era bonito de ver. Deitou-se silenciosamente ao lado dela, mas ela sentiu-o. Abraçou-o. Ele beijou-lhe a testa e acariciou-lhe o rosto, esperando que ela voltasse a adormecer. Tê-la ali ao lado dele era uma imensa prova de resistência. O corpo dela, despido, tão próximo do dele. Mas nessa noite ele não iria tocá-la. Não seria capaz. Não depois daquela conversa, depois daquele sentimento de culpa que ela lhe conseguira inspirar sem querer.  Se ela o procurasse, tomá-la-ia, sem a menor dúvida, sem qualquer hesitação, sem culpa. Mas não naquela noite.

... Há despedidas assim.



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Sabia que ele tinha de ir. Já há muito que tinha aceite que um dia ele partiria. Que não haveriam mais cartas. Que as rosas, as túlipas e os girassóis não seriam mais roubados para ela. Que não haveria mais poemas escritos em guardanapos. Que chegaria o dia em que o pôr do sol seria só dela novamente. Sabia que era o momento de dizer adeus. Aquele amor, estava condenado à nascença. Duas almas com tanto de parecido e, no entanto, tão diferentes. Ela combatia demónios que ele não sabia como exorcizar. Ele tinha os fantasmas do passado a ensombrá-lo e ela não sabia como os afastar. Ambos sabiam que aquele interlúdio romântico duraria apenas o tempo suficiente para os marcar de forma indelével. Também sabiam que, uma vez terminado, não haveria uma única deixa que o mencionasse. Ele não voltaria a pronunciar o nome dela, ela nunca mais tocaria no dele. Nunca mais se voltariam a ver. Nunca mais falariam. Marcados e a viver com essa marca em silêncio. Porque as melhores coisas da vida, são guardadas no silêncio de quem as vive.

Aquela era a derradeira despedida. Beijaram-se e começaram a caminhar em direcções opostas. Ela na direcção da casa, ele em direcção ao mar. Ambos choravam, mas nenhum viu as lágrimas do outro. Ela ocultou as dela. Não queria que ele ficasse por pena. Teve medo que se a visse chorar, ele decidisse ficar, contra o que lhe mandava o coração. Ele segurou o choro até que ela não o pudesse ouvir soluçar. Não queria que ela ficasse presa a um amor que só parecia magoá-la. Decidiu por ela, e não por si. Se tivessem sido capazes de falar, talvez ambos decidissem ficar. Mas cada um deles decidiu pelo outro.

E ele não sabia, mas ela fechava as portas da cabana em frente ao mar pela última vez. Nunca mais lá voltaria. Deixava tudo tal como tinha ficado quando ele saíra. Porque se algum dia ele voltasse, tudo estaria igual. A ausência dela seria a única coisa diferente. E se a ausência dela o incomodasse, ele sabia onde encontrá-la. Mas aquela era apenas uma forma vã de manter acesa uma chama extinta. Era apenas a esperança vazia num amanhã que nunca se concretizaria. Eles nunca mais voltariam lá.

Se tivesses morrido...



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Perguntas como me sentiria se morresses.  Se não mais pudesses escrever coisas bonitas e o modo como feres com as palavras fosse apenas recordação, se a noite que te apaixona se tornasse para ti eterna e  não mais visses o amanhecer , se em vez de fotografares, tudo o que restasse de ti fossem fotografias,  se não fosses mais do que um cadáver a apodrecer debaixo da terra,  sofreria. Sofreria por mim e por ti. Por mim, porque certamente haveria muito que te quereria ter dito e nunca disse.  Porque não me foi concedida a oportunidade de te conhecer melhor. Porque não teria o suficiente de ti para em vez de me entristecer, ficar grata pelo que me deste.  Porque me parecerias sempre demasiado especial para seres levado. Porque sentiria que uma parte de mim acabada de conhecer me fora roubada.  Por ti, porque sei que terias muito para dar aos que amas. Porque terias sonhos ainda por realizar. Porque não terias vivido tudo o que querias. Porque haveriam novas formas de encanto que não terias oportunidade de conhecer. Porque não quererias que os que amas se entristecessem com a tua morte. Na altura em que me perguntaste, não te disse nada disto. Mas se tivesses partido naquele momento, sei que me sentiria assim. 


Hoje não me sinto assim. Tu não morreste. Ainda podes escrever coisas bonitas, apenas não serei eu a lê-las.  Ainda podes usar as palavras como armas, mas não será a mim que ferirás. A noite ainda te pode apaixonar, apenas não me falarás dela. Ainda podes ver o amanhecer, mas não te direi que detesto a luz da manhã. Ainda podes fotografar, apenas não me mostrarás essas fotografias. Ainda és corpo e alma, mas não para mim. E sofro. De um modo diferente. Não sofro por não existires. Sofro por me teres mostrado que existias. Por me teres vindo acordar da minha dormência, só pelo prazer de  provares a ti mesmo que o conseguias,  para depois partires sem te importares. Saber-te entre os vivos prova  que poderia ter feito algo para evitar sofrer assim. Poderia ter evitado acreditar em ti.  Poderia ter evitado gostar de ti. Poderia ter evitado que me encantasses.  Se não soubesse que existias, não lamentaria o teu desaparecimento. Se não tivesses entrado na minha vida, não choraria a tua ausência.

Se tivesses morrido, sofreria, mas saberia que não haveria nada que pudesse ter feito para impedir a tua morte.  A dor, acabaria por acalmar, e ficaria apenas aquela melancolia que empresta a todas as coisas uma beleza magnifica.  Acabaria por seguir o meu caminho, levando na lembrança o pouco de bom que me deste.  
Não é que deseje a tua morte.  Mas se tivesses morrido, saberia  que não seria para me magoar.

Fantasma



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Ás vezes a solidão toma conta de mim. Tenho gente à minha volta, mas é como se não me vissem.  Como se olhassem para mim através de um vidro fosco e não vissem mais do que uma imagem desfocada de mim. Falo, mas as minhas palavras não têm significado. São só palavras, que ninguém interpreta. Tento tocar, mas não alcanço mais do que o ar que me rodeia. É como se eu fosse um fantasma. Estou presente, mas os sentidos de quem me está próximo não me detectam a essência. 

Ocasionalmente  surge alguém, cuja sensibilidade, mais apurada, parece identificar a minha presença. Olha para mim. Fixa o olhar no meu, como se me quisesse garantir que sabe que eu estou ali.   Fala comigo, numa linguagem muito minha e interpreta correctamente cada uma das palavras que lhe dirijo. Abraça-me e eu sinto esse abraço.  E eu volto a sentir-me humana. Como se a minha alma voltasse a habitar o meu corpo depois de um longo período a viver como zombie.  

No entanto, essa ressurreição é na maioria das vezes passageira.  Porque a sensibilidade desses alguns apenas dura enquanto  ninguém mais os vê. Enquanto são seres tão sós como eu. No momento em que um dos "vivos" repara nas suas existências, deixam de me ver, de me sentir, de me falar.  E eu volto a ser apenas  um fantasma.

Arrancar-te o coração? Para quê?



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Hoje por acidente desenterrei os restos de ti. Todos os estúpidos vestígios da tua passagem na minha vida espalhados. A avalanche de sentimentos contraditórios foi quase insuportável. O ódio em fúria com o carinho, a raiva a tentar persuadir a compreensão, a saudade a gritar ao desprezo que preciso de ti.Claro que os sentimentos negativos ganharam, sabes bem que o altruísmo não me fica bem. Por momentos desejei que pudéssemos trocar de almas, só para te causar um bocadinho de dor, para que tu sentisses o teu coração desfazer-se em pedaços. Depois ri-me. Ri-me como louca perante a ideia de te poder arrancar o coração, só pelo prazer de o ter na mão e recuperar a parte dele que um dia me pertenceu.

Mas de que me serve ter um pedaço de coração que não sente?  Um pedaço de inércia sentimental na minha mão? Não o quero. Podes ficar com ele.

Pediste-me que fosse...



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Pediste-me que fosse embora. Que nunca mais desse qualquer sinal da minha existência. Nunca me perguntaste o que eu queria. Ter-te-ia dito que queria que fizesses parte da minha vida. Que queria que fosses o amigo que sempre foste. Mas nunca quiseste saber. Eu fui. Porque era o que tu querias. Porque aprendi a não ficar onde não me querem, aprendi a não querer quem não me quer. Não te questionei, não tentei ficar. Limitei-me a saír, em silêncio, da tua vida.

As tuas marcas, persistem. Como se mas tivesses cravado na alma com um ferro quente. Apaguei cada rasto físico da tua passagem. As fotografias, as cartas, um ou dois poemas, tudo queimado. As recordações, não as posso apagar. Vou-as reprimindo. Uns dias com sucesso, outros nem por isso. Nos dias em que não te consigo expulsar do meu pensamento, em que uma simples palavra me lembra de ti, sofro. Pergunto-me porquê, mas nunca alcanço uma resposta. Tu certificaste-te que me afastavas, mas que não eras esquecido.

Quando parti, recolhi tudo o que te pudesse lembrar de mim. Apaguei-me do teu mundo. Hoje descobri que não gostaste. Descobri que não me querias na tua vida, mas que a minha ausência me tornava objecto da tua saudade. Descobri que precisavas de algo que provasse que tinha passado por lá.  Que precisavas de algo que me tornasse real, que provasse que as confidências, a partilha, os risos e as lágrimas tinham sido verdadeiros e não produto da tua imaginação. Descobri que não consegues estar comigo, mas não suportas estar sem mim.

Desculpa se a minha ausência tornou necessária a minha presença.

Permiti-me ser ingénua



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Fizeste-me chorar. Desrespeitas-te o que de mais sagrado e de mais sincero existe em mim. As minhas lágrimas. Fizeste-mas derramar, sabendo que não eras, não és, nem nunca serás digno delas. Fizeste com que caíssem e pela primeira vez, apressei-me a apagar-lhes o rasto. Porque pela primeira vez envergonhei-me do que sentia. Envergonhei-me por ser capaz de gostar de alguém como tu o suficiente para chorar.

Agora, o tempo começa a curar a ferida. Ainda não começou a cicatrizar, é demasiado profunda. Mas já não sangra. E a dor já é suportável. Já não me envergonho. Porque se senti, foi porque mo permiti. Permiti-me ser ingénua. E se alguém deve envergonhar-se, és tu. Tu que violaste essa ingenuidade, tu que me roubaste a bênção de ser capaz de acreditar no melhor de cada pessoa.  Tu que tiraste partido de um sentimento verdadeiramente inocente para me ferires e me abandonares a sangrar. Foste o algoz da minha ingenuidade. Magoaste-me tanto que se fosse possível partilhares da minha alma por breves momentos, chorarias e pedirias perdão.

Mas não quero as tuas lágrimas. Não quero que me implores por perdão. Se o quisesse, faria com que o sentisses. Magoar-te-ia tanto que morrerias de dor. Sabes que seria capaz. Mas jamais to faria a ti. Porque eu sou algo que nunca saberás ser: pura.


Se os caminhos da vida nos levarem a estarmos frente a frente, à tua espera haverá um sorriso e um -como estás? A mágoa que sinto não desaparecerá mas quererei sempre o melhor para ti. Porque apesar de toda a maldade que encerras em ti, já me fizeste sorrir, já me inspiraste, já me ensinaste. Porque apesar de me teres magoado, soubeste encantar-me o suficiente para o poderes fazer.  Porque apesar do punhal  que me espetaste  ser afiado, o cabo era de uma beleza tão esmagadora que me distraiu da dor.

Pedaços



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As portas fecharam-se. Todas. Janelas, não as há.  Lá dentro, um pedaço de mim. Não me foi roubado. Entreguei-o de livre vontade. Não o tentei recuperar, nunca o farei. Já não é meu e além disso, nunca o soube usar. Esse pedaço contém muito mais de mim do que deveria. E ainda assim, não o quero. Não quero saber o que vai ser feito dele. Pode ficar esquecido, e nunca vai tentar fazer-se lembrar. Pode ser mutilado, e não vai gritar. Pode ser insultado, e não vai defender-se. Pode ser magoado, e não vai chorar.  Não vai reagir nunca. É um pedaço de mim que se desprendeu a meu pedido e que agora jaz inerte, noutras mãos. O que resta de mim, sofre com a falta desse pedaço. Dói, muito. E ainda que a contragosto, os olhos ardem-me por tentar controlar as lágrimas que assomam, até que desisto e as deixo deslizarem-me pelo rosto.  A mágoa não diminui com as lágrimas. Mas aos poucos, outro sentimento começa a opor-se à dor e a camufla-la. Não é alegria, porque essa parece ter-se escondido num canto obscuro e inacessível. É uma tristeza doce, melancólica. Uma tristeza que traz com ela a lembrança de um carinho que não se desvanece. Uma tristeza que traz algum alento, se tal é possível. Fugiria dela em qualquer outra altura, mas hoje não. Hoje dou-lhe a mão e agradeço-lhe por ter vindo. Continuo sem um pedaço de mim, mas descobri um outro que não me pertencendo, guardei. Outro que me parece ser melhor do que o que deixei. Mais verdadeiro, mais sábio, mais cuidadoso, mais doce. Muito mais do que o pedaço de mim que ficou. Por isso, muito obrigada! As portas permanecerão fechadas e as janelas continuarão a não existir, mas irei sempre contempla-las com o mesmo encanto.

As minhas lágrimas...



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Chorar é apanágio meu. Só meu. Porque ninguém chora como eu. As minhas lágrimas não escorrem, deslizam como folhas de Outono,  leves e graciosas, como se a minha alma fosse uma árvore a desfolhar. Desprendem-se dos ramos fortes com facilidade, bastando um sussurro do vento. As minhas lágrimas não são como um rio, turvo pela terra que se revolve à sua passagem.  São gotas cristalinas, que assentam nos meus lábios como uma gota de orvalho numa rosa.  Não se desfazem no percurso, porque quando choro, sou inteira. Quando me assomam aos olhos e os fazem brilhar, não procuro contê-las. Afinal, não posso conter os sentimentos, porque iria refrear a sua expressão? Não me apresso a ocultar o rasto que deixam ao deslizarem-me pelo rosto. Porque esse rasto mostra que os sentimentos não se extinguem assim que se fina a sua expressão. Posso envergonhar-me por sentir?
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