As portas fecharam-se. Todas. Janelas, não as há. Lá dentro, um pedaço de mim. Não me foi roubado. Entreguei-o de livre vontade. Não o tentei recuperar, nunca o farei. Já não é meu e além disso, nunca o soube usar. Esse pedaço contém muito mais de mim do que deveria. E ainda assim, não o quero. Não quero saber o que vai ser feito dele. Pode ficar esquecido, e nunca vai tentar fazer-se lembrar. Pode ser mutilado, e não vai gritar. Pode ser insultado, e não vai defender-se. Pode ser magoado, e não vai chorar. Não vai reagir nunca. É um pedaço de mim que se desprendeu a meu pedido e que agora jaz inerte, noutras mãos. O que resta de mim, sofre com a falta desse pedaço. Dói, muito. E ainda que a contragosto, os olhos ardem-me por tentar controlar as lágrimas que assomam, até que desisto e as deixo deslizarem-me pelo rosto. A mágoa não diminui com as lágrimas. Mas aos poucos, outro sentimento começa a opor-se à dor e a camufla-la. Não é alegria, porque essa parece ter-se escondido num canto obscuro e inacessível. É uma tristeza doce, melancólica. Uma tristeza que traz com ela a lembrança de um carinho que não se desvanece. Uma tristeza que traz algum alento, se tal é possível. Fugiria dela em qualquer outra altura, mas hoje não. Hoje dou-lhe a mão e agradeço-lhe por ter vindo. Continuo sem um pedaço de mim, mas descobri um outro que não me pertencendo, guardei. Outro que me parece ser melhor do que o que deixei. Mais verdadeiro, mais sábio, mais cuidadoso, mais doce. Muito mais do que o pedaço de mim que ficou. Por isso, muito obrigada! As portas permanecerão fechadas e as janelas continuarão a não existir, mas irei sempre contempla-las com o mesmo encanto.
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