Eu não falo disso. Acontece quando não estou á espera. Pode ser uma música, o título de um filme, um livro, uma história, um lugar...qualquer coisa que por algum motivo associe a ti reacende a chama que me consome a alma e me perturba ao ponto de desejar apagar a tua existência da minha. Há músicas que nunca ouço, filmes que nunca menciono, mesmo sendo dos meus preferidos, histórias, como a nossa, que nunca contei ou contarei, e lugares que, apesar da saudade, nunca mais visitarei. Ás vezes, cada vez mais raramente, sonho contigo. Quando acordo, não me lembro em que consistia exactamente o sonho...sei apenas que estavas lá, porque acordo com uma terrível sensação de perda. É assim que me assombras.
Nos dias em que o teu fantasma está presente, consigo escrever alguma coisa, quase sempre sem grande sentido, coisas escritas mais com o coração do que com a razão. Escrevo e a minha escrita é cheia de reticências... reflectindo a dor em que não consigo colocar um ponto final. Escrevo porque preciso, desesperadamente, de desabafar...e eu nunca falo de ti. Não te pronuncio o nome, nem mesmo nos meus pensamentos. Como se fazê.lo te tornasse mais real e á tua ausência muito mais tangível. Escrevo quase sem conseguir ler, com as lágrimas a embaciarem-me o olhar e com a já familiar sensação de aperto no estômago como companhia. Escrevo e apago o que escrevi, vezes sem conta, não conseguindo seguir uma linha de raciocínio, as palavras oscilando ao ritmo dos meus sentimentos, num discurso emotivo e incoerente. Tristeza. Raiva. Dor. Mágoa. Saudade. Ódio. Desilusão. Encanto. E tudo novamente. Escrevo porque já não consigo encarcerar em mim por mais tempo as memórias de ti, porque não consigo calar as recordações insistentes a murmurarem na minha cabeça...no meu coração. É, no fundo, uma catarse que me traz um alivio efémero, vago, imprevisível, já que não sei quando vou ser novamente atingida por um dos vestígios de ti que permanecem em mim.
Escrevo porque sofro. E quando termino, não releio o que escrevi...Para não te reviver em mim.
A minha vontade é esquecer a boa educação e o politicamente correcto e fazer uma cena. Dizer-te na cara tudo o que calei durante este tempo todo e que me pesa na alma... usar todas as palavras cruéis que tenho atravessadas na garganta e que quase me sufocam... Gritar. Até ficar sem voz e a garganta me doer, como me dói agora de tanto conter as lágrimas. Mandar-te dois berros daqueles que ferem os tímpanos e que não dizem absolutamente nada de intelígivel mas que chocam pela violência de quem os dá. Discutir. Responder com cinismo a todos os teus argumentos e desculpas em que não acredito. Partir coisas. Destruir qualquer vestígio que ainda exista da tua passagem pela minha vida. Ser completamente desequilibrada. Mandar cá para fora alguma da loucura que me deixaste.
Ah...a minha vontade! A vontade que tenho de te dizer que me transformaste numa sombra do que costumava ser...Que aquele lugar na minha alma que é obscuro e assombrado é todo teu, foste tu quem o deixou assim, abandonado, deserto e escuro... com o teu fantasma a deambular por lá... Que o pedaço de coração que me falta foste tu quem o levou e o amachucou,deixando-o por aí perdido num canto qualquer, talvez junto dos outros pedaços de outros corações que tenhas roubado... a deteorar-se. Que as vozes na minha cabeça, com as mesmas perguntas incessantes, que não me deixam ter paz, são culpa tua, um coro de que foste o ensaiador. Que esta criatura que não reconheço, ferida, e despojada daquilo que era a sua essência é obra tua. Que a maldade e o veneno que me correm nas veias e fazem de mim um perigo para mim mesma, isolando-me ao não permitir que ninguém se aproxime, foste tu quem os criou.
Mas como é que se diz o que quer que seja na cara de quem se esconde? Como é que se grita com quem parece ser surdo? De que serve? Como é que se magoa quem parece já ter tido o coração arrancado sem ter dado por isso? Com quem não sente nada? Pelo menos eu senti quando o meu foi despedaçado e consumido pela dor...
Ah...se eu te pudesse magoar...se te pudesse fazer um décimo do mal que me fizeste...
Vejo um rosto de traços infantis, a que a surpresa estampada nos olhos grandes empresta uma certa inocência, contrariada pelo meio sorriso atrevido. É uma imagem de serenidade, de ligeiro divertimento, que me parece inequivocamente desfasada da realidade. Aquela rapariga que me devolve agora uma expressão interrogativa parece tranquila...espantada, mas tranquila. Não há nela o menor vestígio da minha agitação interior. Não lhe vejo no olhar qualquer sombra, nenhum rasto da mágoa obscura que me passeia pela alma... não, os olhos dela são castanhos e brilham, agora com uma centelha de curiosidade confusa. A tristeza que trago comigo e me esmaga o coração, comprimindo-o e tornando difícil a sua batida, não encontra naquele sorriso enviesado qualquer reflexo. Ela parece segura e feliz, o tipo de mulher que sorri mesmo quando o mundo está prestes a desfazer-se em cinza, ao contrário de mim, que me sinto a desfazer em cinza enquanto o mundo gira sorrindo... Olha-me agora como se estivesse aborrecida, incomodada com a minha análise e revejo-me no seu incómodo. Não sou eu. Não posso ser.
Como é que aquela mulher no espelho posso ser eu? O rosto é o mesmo, os olhos, os lábios, até o sinal que tem pousado no sorriso é igual ao meu... mas as expressões físicas dela em nada coincidem com a turbulência que me reina no espírito. Eu sou transparente...o meu estado de espírito é facilmente perceptível no meu olhar, que fica sempre um pouco baço quando estou triste, no modo como mordo o lábio ou faço beicinho quando estou perturbada, na pequena ruga que se forma na minha testa quando estou pensativa ou na forma como franzo o nariz e semicerro os olhos quando sofro mais do que sou capaz de suportar. Aquela não posso ser eu...a menos que ande há tanto tempo a ocultar os meus sentimentos, em expressões previamente ensaiadas que estas ficaram permanentemente gravadas no meu rosto e eu já não seja capaz de demonstrar nada além de uma serenidade que não sinto...
Vejo naquele rosto a quietude de sentimentos que gostaria de possuir e não me reconheço. Não sei quem sou. Não sei quem ela é. Somos a mesma pessoa. Uma pessoa que não conheço.
É uma ânsia visceral, que nasce nas entranhas, toma conta de todo o corpo e quase me leva á loucura. É carência, depender do teu beijo, do teu toque para conseguir respirar.É urgência, na forma como te agarro, como se amanhã fosse tarde demais... É angústia, o modo como entrelaço as pernas na tua cintura, como se apenas tu me pudesses impedir de cair... É desespero cada arranhão das minhas unhas na tua pele, como se procurasse agarrar-me aos resquícios da minha sanidade...É agonia, a minha respiração ofegante, e os gemidos sussurrados no teu ouvido, como preces, para que me salves, como se o pudesses fazer... É negação o frémito que me agita o peito, como se entregar-me pudesse desencadear um cataclismo a que não sobreviveria.
É entregar o meu corpo e revelar a minha alma, o melhor de mim e o mais obscuro, numa dança frenética, privada, só para os teus olhos, e amanhecer esgotada de todas as palavras que não foram ditas, perdidas, na contemplação de um momento em que fui quase inteira...
Queria não ser eu. Ser outra pessoa. Qualquer outra pessoa. Queria ser simples e descomplicada. Não sentir tudo tão intensamente. Queria que as desilusões não me estilhaçassem o coração, deixando-o ferido, tão profundamente, que parece nunca mais poder cicatrizar... Queria que as mágoas não me estivessem tatuadas na alma, impossíveis de remover... Queria calar as perguntas silenciosas que me invadem o pensamento, os porquês que me assaltam os raros momentos de paz ...Despir-me de todos os sentimentos complexos, confusos, conflituosos...desesperantes! Queria esquecer todas as emoções que me assolam, qual tempestade, e me deixam a alma devastada...Queria despir-me de mim mesma...da minha alma, da minha essência, de quem sou...Pura e simplesmente apagar-me. Apagar a minha história.
Esta noite sonhei contigo... já não acontecia há vários
meses, pensei que estes sonhos tinham acabado...mas pelos vistos a minha
vulnerabilidade durante o sono permite que pense em ti,
independentemente de eu o desejar ou não...
Habitualmente quando sonho contigo, és apenas uma
presença... sinto-te, mas não te costumo ver, atormentas-me sem que te
possa tocar ...esta noite foi diferente...esta noite vi-te tão bem
quanto te senti...vi os teus olhos verdes fixos nos meus, senti o
toque da tua mão, quente, quando afastaste uma madeixa de cabelo do meu
rosto...
Esta noite não me magoaste com as palavras gritadas, como
costumas fazer, e os segredos, sussurrados no meu ouvido, foram promessas
de encanto ... Não me afastaste, pelo contrário,
procuraste manter-me perto, prisioneira, sem o ser, do teu abraço...
Esta noite não fugi de ti, procurando abrigo no ódio e na
raiva como sempre faço, escondendo-me de mim mesma nas mentiras que te
digo, negando aquilo que há muito sabes...Não senti o frio que sinto
sempre quando sonho contigo, que me tolhe os movimentos e me paralisa os
sentidos e que, inevitavelmente, acaba por me acordar, em
sobressalto,deixando-me em estado de alerta e impedindo-me de voltar a
adormecer com medo dos meus sonhos...
Não, esta noite foi diferente... tão diferente... esta
noite não fugi, deixei-me ser eu, exposta ás fraquezas de que me escudo, á sinceridade que oculto há tempo demais...senti apenas deslumbramento,
quando os nossos olhares se encontraram, a minha pele queimar,
incendiar-se sob o teu toque...não acordei até que o despertador o
fizesse...
E quando acordei, lamentei o regresso á realidade,
abandonada desse terno enleio em que me encontrava e onde era feliz...
Claro que os sonhos são apenas isso, sonhos, e não serve de muito
perdermos a realidade e a vida na contemplação do irreal...
Está a ser-me muito difícil manter-me acordada e regressar a
realidade onde te odeio e me sinto enganada, usada e magoada, um
brinquedo de um miúdo caprichoso que apenas quer brincar com ele até
encontrar um novo e mais divertido...
Não me sinto com grande capacidade de te odiar depois de um
sonho tão bom... deve ter qualquer coisa a ver com o facto de eu me
prender absurdamente ás ilusões, com o meu desejo de que a realidade
seja um pouco mais mágica... há quem lhe chame inocência... essa coisa
tão estúpida e inútil que regra geral serve apenas para me magoar...
Quero dormir, na esperança que os pesadelos voltem e
eu te possa odiar novamente... na esperança de libertar a memoria deste
sonho e não continuar a pensar, de não ter de lidar com os "e se?" da
minha realidade...
O coração acelera, a boca fica seca, as mãos tremem. Não consigo pensar com clareza, há uma espécie de nevoeiro que me tolda o raciocínio e me deixa os pensamentos em torvelinho. Não consigo pronunciar uma única palavra correctamente, limito-me a balbuciar com incoerência. As lágrimas acumulam-se no meu olhar e tudo me parece estranhamente desfocado, uma espécie de realidade alternativa, como se olhasse através de um vidro fosco. Os sons que me chegam parecem abafados, como se tivesse a cabeça debaixo de uma almofada. A minha respiração é irregular, quase como se estivesse prestes a sufocar.
Sinto-me como se estivesse no meio de um furacão, a ser atirada de um lado para o outro, sem conseguir escapar, incapaz de encontrar uma saída ou solução...
Sinto-me vulnerável, exposta, nua, sem poder escudar-me na ironia ou no sarcasmo para esconder as minhas fragilidades, os meus medos. Não gosto de me sentir indefesa e desprotegida, de sentir que poderei ser magoada. Pela primeira vez em muito muito tempo não me posso esconder atrás de um sorriso ou de uma piada.
Tenho de avançar, mas temo que o meu passo incerto apenas me leve por um caminho demasiado tortuoso onde possa cair e ser incapaz de me levantar...
O café ainda na minha frente, por mexer. Devagar, expiro o fumo. Olho para a sobrancelha arqueada dela:
- Ele é um cabrão e quero mais é que ele se foda.
Ela olha-me e sorri. Sabe bem o que está por trás daquele comentário aparentemente sem nexo. Conhece-me melhor do que ninguém.
Tu chegaste depois de mim. Ela percebeu que tinhas chegado no instante em que a minha voz se calou a meio de uma frase. Viu isto acontecer centenas de vezes,viu o meu mundo parar no instante em que tu te aproximavas e tudo ficar em suspenso... Paraste à porta a observar-me. Demoraste-te nas pernas, deixadas a descoberto pelo vestido preto, bem curto, e subiste o olhar até ao meu rosto. Contraíste a face numa expressão de surpresa contrariada ao perceberes que te observava também.Dirigi-te um olhar frio e tu saíste. Não consegui conter um sorriso.
Não lhe dou tempo de replicar. Viro-me na cadeira, olho-a e digo-lhe:
- Ele é um cabrão que pensa que o mundo gira à volta dele. E ao contrário do que possas pensar, tudo o que me passa pela alma neste momento é ódio puro. Odeio-o por tudo o que sofri. Odeio ter gostado tanto de alguém cujo ego supera o número de estrelas, isto se se pudesse medir o ego de alguém. Odeio pensar nas noites que perdi, a viver numa incógnita por ele ser covarde. Odeio ter vivido tanto tempo com o fantasma dele a assombrar a minha vida e as minhas relações. Odeio o modo como ele me fez mudar e como me tornou taciturna. Odeio as cicatrizes que me deixou na alma e que me tornaram a vida depois dele tão difícil. Odeio que tenha o descaramento de me olhar nos olhos e fazer aquele ar de quem está a sofrer profundamente.Odeio-o tanto, que não sou capaz de demonstrar qualquer tipo de compaixão, não sou capaz de me lembrar de nenhuma boa razão para me ter apaixonado por ele. Odeio-o tanto que se lhe pudesse pagar na mesma moeda o sofrimento que me causou, se o conseguisse magoar ao pondo de fazê-lo odiar-me, fá-lo-ia! Por isso, se me vais perguntar se ainda olho para ele da mesma forma, a resposta é não. Odeio aquele cabrão convencido ao ponto de lhe querer esbofetear aquela cara estúpida.
Ela ri, ri à gargalhada e eu fico aliviada. É aquele riso de quem sabe que estou a ser profundamente sincera, de que acredita em mim, que por trás da explosão de ódio e raiva que me transfiguram a expressão estão anos de um amor sofrido, de mágoas caladas,de palavras por dizer. De quem sabe que finalmente te concedo o desprezo que me mereces e que vou ali ser feliz e não volto mais a este lugar escuro.
Chama a atenção, não que seja particularmente bonita, mas tem qualquer coisa de especial. Talvez seja o ar frágil, de menina, presa no corpo bem feito de uma mulher. Talvez seja o modo de caminhar, como se não soubesse muito bem de onde vem, ou para onde vai, com a cabeça baixa, como que procurando alguma coisa perdida.
Levanta a cabeça, enquanto prende uma madeixa de cabelo rebelde atrás da orelha, os olhos muito abertos, uma expressão levemente confusa, como se estivesse surpreendida por se ver naquele lugar, sem ter bem a certeza como lá chegou. Tem um rosto bonito, os lábios rosados em forma de coração, perfeitamente cheios, como os de uma criança, dão-lhe um ar inocente, quase angelical. Os olhos são bonitos, de um azul claro como o céu numa manhã de verão, mas o olhar, apesar de sincero é ensombrado pelas nuvens de tristeza que carrega na alma.
Senta-se no banco de jardim, cruza as pernas, o vestido amarelo a esvoaçar... Tira um livro da mala que traz a tiracolo e ali fica sentada enquanto o vai folheando, lentamente e a sua expressão se vai alterando. Um sorriso irónico trespassa-lhe o rosto, depois uma expressão chocada...Quando finalmente decide fechar o livro, tem lágrimas a bailarem-lhe no olhar.
Levanta-se, lentamente, como se receasse cair e vejo-a afastar-se, naquele passo incerto, por entre as árvores em tons de vermelhos e dourados, manchadas de Outono... E é como se me visse num espelho, com alguns erros deliberados, a caminhar, afastando-me daquele parque, afastando-me de mim mesma...
Imagem: http://rclamego.pt/jornalonline/wp-content/uploads/2012/09/Outono.jpg?8ad091
Tenho as amarras do passado a estrangularem-me a essência, uma dor corrosiva e persistente a agrilhoar-me ás memórias e a impedir-me de caminhar. Já não choro. Chorar para quê, se as lágrimas há muito deixaram de ser suficientes para expressar a dimensão do sofrimento que se instalou nos recantos mais recônditos da minha alma ? Sufoco em mim mesma, afogada no vasto mar de desilusões que me preenchem as horas vagas. Quero gritar, mas perdi a minha voz. No entanto, na minha cabeça há berros ensurdecedores, lamentos gritantes, semelhantes a uma música a tocar em repeat. Canso-me dos meus próprios pensamentos, da minha companhia, da minha eterna solidão... Vivo como se olhasse através de um vidro fosco, as cores parecem-me mortiças, como os meus olhos, os contornos indefinidos, como o rumo da minha vida, numa sensação permanente de irrealidade distante, de isolamento...É como viver no meio do nevoeiro, na expectativa de que numa qualquer madrugada ele se dissipe e eu seja finalmente capaz de avistar o céu...
Imagem em: http://pt.forwallpaper.com/wallpaper/forest-road-fall-fog-people-184286.html
Quando penso em ti, tenho invariavelmente a companhia das lágrimas.Já me habituei ao teu silêncio, já me conformei com o teu adeus, mas, apesar de toda a mágoa, de todo o ressentimento, de todo o mal que me fizeste, sinto-te a falta. Eliminei quase tudo o que me lembrava de ti. Apaguei todas as tuas palavras, aquelas que pensava terem sido escritas a pensar em mim, com a alma, mas que mais não foram do que produto da necessidade de provares à tua mente retorcida que conseguias iludir-me. Já não ouço algumas das músicas que costumava ouvir, apenas porque sei que também as ouves e não quero ter nada a ligar-me a ti. Aquela transparência que te permitia perceber o que estava a sentir, mesmo quando eu não o dizia, desapareceu. Apenas as lágrimas ficaram como tributo á tua maldade. E uma cicatriz de solidão, mesmo no lugar de onde me arrancaste o melhor pedaço de mim.
É por isso que te sinto a falta. Porque me sinto incompleta sem essa parte de mim, porque quero de volta as palavras sinceras e sentidas, e ser capaz de me abandonar a elas, quero as melodias que me embalavam a ingenuidade e ser ainda inocente, quero a sinceridade quase incómoda que existia em mim e poder não mentir a mim mesma quando digo que te odeio.
E eu, a eterna indiferente, permanecerei em silêncio, não te olharei, não chorarei. Partirás com a certeza que nunca te amei, convicto, tu, senhor da verdade absoluta, que não me importo, que a tua ausência não faz qualquer diferença. E à medida que o tempo avançar, que a vida passar por ti, eu tornar-me-ei numa memória distante, desfocada pelo tempo. Talvez uma música te lembre de mim, de vez em quando, num momento de nostalgia, que logo reprimirás, lembrando a minha frieza, a minha indiferença. Não sabes que te amei. Nunca to disse. Amei-te com toda a minha alma, com todo o meu coração, num silêncio assustado, de quem tem medo de se ver ferida. Abandonar-me-ás e nada farei para te impedir pois estarei despedaçada, despojada de qualquer sentimento, exceto dor, petrificada para sempre neste silêncio gritante que me rasga a alma e me fere os tímpanos. Alguma vez te direi as palavras que me queimam a língua mas que teimam em não saír? E porque deverei eu dizê-las? Não bastará sentir? Partirás, e as palavras ficarão caladas, gravadas na minha alma e apenas sentirei.
Aquele sentimento outra vez. Como se um ultimo acto de loucura, uma demonstração da minha fragilidade emocional, causada pelos copos que bebi a mais numa tentativa que nem sei bem se foi de mostrar que estou óptima ou de silenciar a saudade, pudesse mudar tudo. São 3 da manhã e tenho vontade de te ir tocar á campainha só para gritar na tua cara todos os teus estúpidos erros, para te dizer todas as palavras duras que calei durante tanto tempo, para te magoar como fizeste comigo e para chorar no teu abraço enquanto por entre soluços te digo o quanto me fazes falta. Mas não vou. Continuo a fitar o copo vazio, com o mesmo sentimento de insanidade que tomou conta de mim nos meses que se seguiram á tua partida. Sei que sentirias por mim. Sei que ficarias magoado. Sei que voltarias, apesar de tudo. Mas eu sou orgulhosa, teimosa. Jamais te iria mostrar o quão despedaçada me sinto desde aquele dia. Nunca te direi que já não respiro livremente desde que foste embora. Que os dias e as noites já não fazem sentido, são apenas tempo interminável que terei de suportar sem ti. Não te deixarei ver-me assim, reduzida a esta letargia que me consome a alma, a estas lágrimas que caem quase sem que eu perceba. Não te procuro, em vez disso, bebo mais um copo, engulo as lágrimas, ponho um ar de indiferença e finjo que estou bem.
Cruzamo-nos por acaso. E tu escolheste-me. Era ingénua, já uma mulher, mas com alma inocente de menina. O teu jeito, tão único, cativou-me. Não sabia que quem me dizia as mais belas palavras, seria também capaz de pronunciar as mais cruéis. Não sabia que a cúmplicidade viria a desvanecer-se numa névoa de estranheza. Não sabia que o riso daria lugar a lágrimas. Não sabia que uma curta presença poderia tornar-se na mais excruciante ausência. Escolheste-me apenas porque era crédula, porque ainda conseguia ver e acreditar no melhor de cada um. Acreditava em contos de fadas e histórias de princesas, em sapos que se transformam em principes...Confiei em ti...E tu escolheste-me a mim para me dilacerares a alma e me estrangulares a inocência...Não foi por falta de aviso. Disseste-me várias vezes o quão indiferente à dor alheia conseguias ser. Nunca acreditei em ti. Parece irónico que tenha acreditado em todas as mentiras e fantasias e nunca o tenha feito com a única verdade que me disseste. Agora não acredito em nada. Nem fadas, nem princesas, nem sapos que se transformam em principes. Ainda assim, aquele pequeno cantinho da minha alma que sobrou depois de teres estilhaçado tudo o resto ainda sofre. Sofre quando recorda o tanto que teve e foi e vê o nada que tem e é. Será que foi por acaso?
O melhor de nós os dois foram sempre as discussões. Eram apaixonadas. Aquele momento de loucura em que estando a um passo do abismo, saltávamos. O momento em que gritávamos as palavras mais cruéis, despidas de sentimento real, nuas de significado verdadeiro, com a mera intenção de causar dor. Consumidos pela raiva, partíamos os porta retratos e rasgávamos as fotografias com as mãos trémulas. Esmurravas a parede e eu batia com as portas.Tu saías de casa e afogavas as mágoas, num copo fervente de ódio destilado por mim, na companhia dos teus amigos que te diziam que era só um arrufo. Eu ficava sentada no chão, encostada à parede, no escuro, com a tristeza a corroer-me a alma, contemplando aquilo que achava serem os cacos do nosso amor brilharem á luz da lua que entrava pela janela aberta. Voltavas de madrugada, com o cheiro do tabaco a impregnar-te as roupas, uma garrafa de vodka debaixo do braço e uma rosa roubada da vizinhança na mão, para me encontrares adormecida no mesmo sitio, no meio dos cacos, com o rosto marcado das lágrimas. Acordavas-me e oferecias-me um copo, punhas-me a rosa no cabelo e fazias-me uma caricia no rosto. Perguntavas-me se queria conversar, mas recomeçávamos a discussão, até que me silenciavas com um beijo selvagem...Acordávamos de manhã, enrolados um no outro, com a garrafa vazia ao nosso lado, pétalas de rosa espalhadas pelo chão, junto com as nossas roupas rasgadas e os corpos marcados da paixão da noite anterior. Olhávamos um para o outro e sorríamos, refeitos da loucura da noite anterior e, em silêncio, apanhávamos os cacos.
O melhor de nós os dois foram sempre as discussões.
(imagem: https://www.flickr.com/photos/dixonbaxi/2498445479/)
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